quarta-feira, 2 de setembro de 2015

A sombra da inimizade

Recentemente vivi umas dessas cenas simples que marcam a gente.  Eu estava apressada para resolver uns problemas antes de dar aula, andando quase correndo para fazer tudo a tempo.  Como carioca da gema que sou, fui andando pela rua ligada em tudo o que estava acontecendo.  Foi quando percebi um homem negro sentado no matinho em frente ao terreno baldio, claramente um dos trabalhadores que estava esperando o ônibus.  Nossos olhares se cruzaram, mas continuei no meu caminho acelerando e pensando em quantos minutos me restavam.  Me surpreendi quando ouvi o tal homem resmugar que ele era um trabalhador e que não havia necessidade de ter medo dele, que não era nenhum ladrão.  Não parei para explicar nada, até mesmo porque ele não acreditaria, mas doeu lá dentro saber que aquele homem deve ter passado por tantas situações que explicavam a sua ofensa e mágoa.  Prossegui com tristeza considerando como é triste saber que fugir dele era mais provável que correr atrás do meu prejuízo.  

Existem coisas que são mais fáceis de se enxergar nos outros do que em nós mesmos.  E uma das melhores delas é a agressividade: é muito fácil a gente se sentir destratado, mas difícil de se sentir um grosso ou grossa.  Isso porque a gente sempre sabe e sente todos os motivos que explicam nosso comportamento: nosso cansaço, nossa fome, nossa pressa, o carro que bateu, o ônibus que não parou, contas atrasadas e incontáveis mais motivos para o desalento.  O senhor no ponto de ônibus não poderia jamais saber que eu mesma coleciono histórias em que fui vítima do mesmo preconceito que ele e busco alertar as pessoas para esse tipo de atitude.



 
Essa coisa da intenção poderia e deve ser conversada com muito mais propriedade pelos filósofos. Mas nas divagações que rolam na minha cabeça enquanto lavo louça, muitas vezes me pergunto porque a gente se importa tanto com isso, uma vez que a gente não tem como avaliar o que está dentro das outras pessoas.  Na verdade, eu passei a observar em mim mesma a tendência de tentar interpretar as intenções alheias para então decidir se eu me chateava ou não.  Quando eu enfim percebi o que estava fazendo, fiquei chocada comigo mesma. O pior de tudo que constatei em mim foi a tendência de suspeitar mal, ou seja, de atribuir ao outro a intenção de causar dano.  Pensar que o outro não fez algo para que eu o fizesse.  Pensar que o outro disse algo para me magoar. 

Na verdade, desde que ouvi e estudei o discurso do Elder Bednar da conferência de Outubro de 2006, essa ideia de escolher não me ofender tem sido minha meta, mas ela realmente parecia algo de outro mundo.  Na ocasião ele ensinou:


"Achar que alguém ou algo pode fazer com que nos sintamos ofendidos, zangados ou magoados é um insulto ao nosso arbítrio moral e reduz-nos a meros objetos sujeitos à ação. Contudo, como agentes, todos temos o poder de agir e escolher como nos conduziremos diante de uma situação ofensiva ou aviltante."
Foi só de uns tempos para cá que eu consegui entender que a chave para superar esses meus problemas era o amor.  Nas palavras de Paulo: 


O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
1 Coríntios 13:4-7

Passei a entender que esses atributos precisam estar todos presentes ao mesmo tempo para que eu tivesse sucesso em tudo suportar. Não bastava suspeitar o bem -- havia momentos em que a intenção era claramente o preconceito ou o conflito.  O que fazer então?  

Amar o ofensor, como Cristo ensinou, tem sido uma saída surpreendente para os meus problemas.  Antes de colocar isso em prática, eu achava que esse tipo de atitude me tornaria mais frágil e suscetível diante dos outros.  Mas a verdade é que desde que passei a me esforçar para olhar as pessoas dessa forma, me sinto menos vulnerável.  Mesmo que haja desentendimento aqui ou ali, é mais rápido para mim superar o acontecido e voltar a vida normal. 

É muito mais fácil ter um dia cheio de luz sem a sombra da inimizade.

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